quinta-feira, março 22, 2007

Traçando o caminho do cigarro; de sensual a mortal
20/03/07 - 16:35 - The New York Times

Para muitos americanos, a desonestidade da indústria do tabaco se tornou um assunto público durante uma audiência do Congresso no dia 14 de abril de 1994. Lá, sob o olhar de vergonha do deputado Henry A. Waxman, da Califórnia, apareceram os chefes executivos das sete maiores empresas americanas de tabaco.


Cada executivo levantou sua mão direita e jurou, solenemente, dizer toda a verdade sobre seu negócio. Em depoimentos seqüenciais, cada um declarou que não acreditava que o tabaco era um negócio saudável e que sua empresa não tomou ações para manipular os níveis de nicotina em seus cigarros.

Trinta anos depois do famoso relatório cirúrgico declarando que fumar cigarros era um perigo para a saúde, pareceu que os executivos do tabaco estavam entre os poucos que acreditavam o contrário.

Mas nem sempre foi assim. Allan M. Brandt, um historiador médico de Harvard, insiste que reconhecer os perigos do cigarro resultaram de um processo intelectual que demorou grande parte do século 20. Ele descreve essa história fascinante em seu novo livro, “O Século do Cigarro: A Ascensão, Queda e Persistência Mortal do Produto que Definiu a América”.

Em contraste ao símbolo de morte e doença que é hoje, do começo do século passado até os anos 60 o cigarro era um ícone cultural de sofisticação, glamour e apelo sexual – um bem caro para cada um de dois americanos.

Muitas campanhas publicitárias desde os anos 30 até o fim dos anos 50 enalteciam as virtudes saudáveis dos cigarros. Propagandas coloridas de revistas descreviam médicos vestidos com casacos brancos acendendo ou tragando alegremente, com slogans como “Mais médicos fumam Camel do que qualquer outro cigarro”.

No começo do século 20, opositores do cigarro adotaram um tom moral, ao invés de consciente, especialmente para mulheres que queriam fumar, embora muitos dos médicos estivessem preocupados que fumar era um perigo à saúde.

Os anos 30 foram um período quando muitos americanos começaram a fumar e a maioria dos efeitos de saúde significativos ainda não haviam se desenvolvido. Como resultado, os estudos científicos da época muitas vezes falharam em encontrar evidências claras de patologias sérias e tiveram o efeito perverso de exonerar o cigarro.

Os anos depois da segunda guerra mundial foram um período de progresso em pensamentos epidemiológicos. Em 1947, Richard Doll e A. Bradford Hill, do Conselho Britânico de Pesquisa Médica criaram uma sofisticada técnica estatística para documentar a associação entre os crescentes aumentos de câncer de pulmão e o aumento do número de fumantes.

O cirurgião proeminente Evarts A. Graham e o estudante de medicina, Ernst L. Wynder, publicaram um artigo que foi um marco em 1950, comparando a incidência de câncer de pulmão nos pacientes fumantes e não fumantes no Barnes Hospital, em St. Louis. Eles concluíram que “fumar cigarro, por um longo período, é pelo menos um importante fator no impressionante aumento em câncer de pulmão”.

Previsivelmente, as empresas de tabaco ridicularizaram esse e outros estudos como meros argumentos estatísticos ou anedotas ao invés de definições de casualidades.

Brandt, que buscou exaustivamente através de memorandos internos de empresas de tabaco e documentos de pesquisa, demonstrou amplamente que a Big Tobacco entendia muitos dos riscos de saúde de seus produtos muito antes do relatório do cirurgião, em 1964.

Ele também descreve as campanhas associadas com desinformação que as empresas financiaram por mais de meio século – ofuscando simultaneamente evidências cientifícas e espalhando a crença que como todos sabiam que cigarros eram prejudiciais à saúde em algum nível, fumar era essencialmente um assunto de escolha pessoal e responsabilidade ao invés de um assunto corporativo.

Nos anos 80, cientistas estabeleceram o conceito revolucionário que a nicotina é extremamente viciante. As empresas de tabaco rejeitaram publicamente tais afirmações, mesmo quando eles se beneficiavam do potencial viciante do cigarro ao, rotineiramente, aumentar a nicotina para tornar mais difícil parar de fumar. E seus documentos de marketing miravam em jovens para viciar toda uma geração de fumantes.

Em 2004, Brandt foi recrutado pelo Departamento de Justiça para ser a testemunha especialista no caso chantagista federal contra Big Tobacco e para se opor ao grupo de testemunhas recrutado pela indústria. Segundo os próprios depoimentos deles, a maioria dos 29 historiadores testemunhando em nome da Big Tobacco nem consultaram a pesquisa ou a comunicação interna da indústria. Pelo contrário, esses especialistas se focaram em um pequeno grupo de céticos dos perigos do cigarro nos anos 50, muitos dos quais tinham laços com a indústria do tabaco.

“Eu fiquei apavorado pelo que as testemunhas especialistas do tabaco escreveram”, comentou Brandt em uma entrevista recente. “Ao fazer perguntas limitadas e respondendo-as com pesquisa limitada, ele forneceram precisamente a cobertura que a indústria buscava”.

Aparentemente, a juíza, Gladys Kessler, da Corte do Distrito Federal do distrito de Columbia concordava. Em agosto passado, ela concluiu que a indústria do tabaco havia se engajado em uma conspiração de 40 anos para enganar fumantes sobre os perigos do tabaco. Sua opinião citou o depoimento de Brandt mais de 100 vezes.

Brandt reconhece que há uma armadilha ao combinar sabedoria com a batalha contra a pandemia mortal de fumar cigarro, mas ele diz que vê poucas alternativas.

“Se um de nós ocasionalmente atravessar o limite entre análise e defesa, assim seja”, ele disse. “As apostas são altas, e há muito trabalho a ser feito”.

Dr. Howard Markel

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