GIGANTES DO TABACO
Fabricantes aguardam decisão sobre cigarros genéricos
Por João Ozorio de Melo
Brandindo um pacote de veneno para ratos, com advertência sobre os perigos inerentes à manipulação do produto, um dos advogados de quatro gigantes internacionais do fumo reclamou aos juízes da Suprema Corte da Austrália, em Canberra, capital do país, nesta quinta-feira (19/4): "As restrições impostas pela nova lei australiana à embalagem do cigarro são piores do que as vistas nesse pacote de veneno". A notícia está no The Australian, NZHeralds e em publicações de todo o mundo, porque vários países tendem a seguir o exemplo da Austrália.
A lei aprovada pelo Congresso australiano, no ano passado, prevista para entrar em vigor em dezembro deste ano, foi contestada conjuntamente na Suprema Corte do país pela British American Tobacco, Philip Morris International, Imperial Tobacco e Japan Tobacco International, com base em tratados internacionais de comércio assinados pela Austrália e nos "direitos constitucionais" das multinacionais do tabaco. Depois de três dias de audiências, em que as partes apresentaram seus melhores argumentos, a corte anunciou que vai divulgar sua decisão mais para o final do ano.
A lei australiana, considerada a mais dura do mundo contra o fumo, estabelece que cigarros só podem ser comercializados em maços e pacotes genéricos. Todos terão a cor verde-oliva amarronzada e o nome da marca em letras relativamente pequenas e padronizadas, embaixo no maço ou pacote. Logomarcas e quaisquer outros instrumentos de marketing são estritamente proibidos. Em vez disso, os maços de cigarro devem trazer advertências e imagens graficamente fortes sobre os males que o fumo pode causar à saúde dos fumantes — uma versão mais rigorosa do que já ocorre no Brasil e em outros países, pois ocupa 70% do espaço na frente do maço e 100%, na parte de trás.
As "gigantes do tabaco", assim definidas pelos jornais, acusam o governo australiano de destruir o valor de suas marcas comerciais. O governo da Austrália argumenta que sua luta não é contra elas, mas contra o câncer — e a favor da saúde da população. Para o governo australiano, o direito dos australianos à saúde é superior ao direito da indústria do fumo de comercializar seus produtos, como queira.
As empresas argumentam que o governo australiano viola seus direitos de propriedade intelectual, por subtrair-lhes as marcas e o espaço que ocupam nos maços de cigarro. E acusam o governo de desapropriação injusta de propriedade particular. Para elas, o governo vai se beneficiar injustamente da lei, ao usar os maços de cigarro como uma plataforma para a promoção de suas próprias mensagens, sem compensação para os fabricantes de cigarro. "A Constituição da Austrália diz que o governo só pode adquirir propriedades de particulares em "termos justos", alegam.
O governo argumenta que não está desapropriando nada, nem se apropriando de marcas ou quaisquer propriedades intelectuais das empresas, porque não vai usá-las. Apenas está regulando o uso delas. "O que o dono da marca ganha por registrá-la é, relativamente, nada mais do que um direito de monopólio dessa marca, para impedir que outros a usem sem o seu consentimento", declarou aos jornais o procurador-geral da Commonwealth (Comunidade de Nações), Stephen Gageler.
Se a moda pega...
Segundo os jornais, as multinacionais do fumo estão preocupadas com a repercussão da lei australiana no mundo. Se a Austrália estabelecer um precedente global, outros países irão seguir o exemplo e elas perderão bilhões de dólares.
Na verdade, não é preciso esperar para ver e crer. Também nesta quinta-feira, a Nova Zelândia anunciou que vai propor legislação semelhante à da Austrália. O projeto de lei desse país também vai criar o maço genérico para cigarros e acrescentar uma novidade: vai publicar no maço de cigarro o número de telefone de um serviço que ajuda os fumantes a deixarem de fumar. "O fumo é a maior causa de morte evitável", declarou a ministra-adjunta de Saúde da Nova Zelândia, Tariana Turia.
Em 23 de julho, entra em vigor na Nova Zelândia uma lei, já sancionada, que proíbe a exposição aberta de cigarros, para fins de venda, em qualquer estabelecimento do país. Isto é, os cigarros devem ficar escondidos em algum lugar da loja, de onde só saem a pedido do freguês. A nova lei seria uma complementação dessa medida. Uma vez que uma pessoa compra o cigarro e o leva para casa, o maço não deve servir de estímulo para não fumantes, como os filhos do fumante, sentirem o desejo de fumar. Por isso, a Nova Zelândia quer seguir imediatamente o exemplo da Austrália, criando o maço genérico, com todas as mensagens e imagens gráficas destinadas a desestimular o consumo de cigarros.
No entanto, as multinacionais do fumo ganharam dois aliados que estão atuando na contramão da tendência mundial: os governos da Ucrânia e de Honduras, dois grandes produtores de fumo. Os dois países encaminharam consultas à Organização Mundial de Comércio (OMC), em que questionam a legalidade da lei australiana e possíveis infrações aos tratados e legislação mundial do comércio. Os dois países são exportadores formais de fumo. A Ucrânia é acusada por ativistas antifumo de fazer exportações "informais" de um quarto do fumo produzido, diz a CBS News."Na verdade, a Ucrânia sequer vende qualquer produto derivado do fumo à Austrália", disse à CBS a parlamentar ucraniana Lesya Orobets. "Sabemos que a indústria do fumo pediu a muitos governos para fazerem isso, mas praticamente todos se recusaram a fazê-lo. Não entendemos como as autoridades ucranianas tiveram a coragem de fazer isso, embora se saiba que o governo quer proteger os produtores locais de fumo", afirmou.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 19 de abril de 2012