quarta-feira, maio 03, 2017

Souza Cruz quer tirar advertência frontal das embalagens de cigarros
Lígia Formenti ,
O Estado de S.Paulo
03 Maio 2017 | 03h00
Empresa alega que sociedade sabe de riscos e está bem informada; especialistas discordam de argumentos


BRASÍLIA - A empresa Souza Cruz ingressou com uma ação na Justiça em que pede o fim das mensagens de advertência estampadas na parte frontal das embalagens de cigarro. A regra é considerada essencial por especialistas em controle do tabagismo por tornar o produto menos atraente para os jovens e para motivar os fumantes a procurarem ajuda para tratar a dependência.

Na ação, a Souza Cruz argumenta que as advertências sobre os riscos provocados pelo cigarro já estão presentes na parte posterior e nas laterais da embalagem, que a sociedade brasileira está consciente sobre os riscos associados ao cigarro e, ainda, que nenhuma outra indústria nacional fabricante de produtos de periculosidade inerente, como a de agrotóxicos e de bebidas, sofre imposições tão pesadas. “É uma clara afronta ao princípio da igualdade”, defende a empresa.



“O problema não é a falta de informação”, completa a fabricante, na ação, que foi distribuída para a 7.ª Vara Federal do Distrito Federal. No pedido formulado contra a União e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Souza Cruz chega a fazer uma simulação sobre como ficariam as embalagens de bebidas alcoólicas e de agrotóxicos com regras semelhantes.

A secretária executiva da Comissão Nacional de Implementação da Convenção-Quadro para o controle do Tabaco, Tânia Cavalcante, disse estranhar a ação da empresa neste momento, um ano depois que a regra entrou em vigor. “A advertência na face anterior é essencial. Como a propaganda é proibida, os maços continuam sendo usados como uma peça importante para chamar a atenção, sobretudo dos jovens. Basta ver os painéis formados nos pontos de venda”, disse. “Com a advertência na face anterior da embalagem, essa estratégia fica em parte prejudicada”, completou.

“Claro que maços de cigarro são usados como atrativos”, concorda a diretora da ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, que também questiona o fato de a Souza Cruz ingressar com a ação mais de um ano depois de a medida entrar em vigor.

O pedido na Justiça coincide com a abertura de uma consulta pública, pela Anvisa, para modificar as imagens e frases usadas como advertência nos maços de cigarro. Por razões contratuais, as imagens precisam ser trocadas até o próximo ano. “Parece mais uma estratégia para tentar criar um vácuo normativo, um impasse que traga, em última instância, um período em que empresas estejam desobrigadas a produzir maços com qualquer tipo de advertência”, disse Paula.

A Souza Cruz afirma que a obrigação das mensagens de alerta na face anterior da embalagem acabam diminuindo o espaço destinado à identificação do produto e, de quebra, dificultando a concorrência e aumenta a confusão em relação aos produtos falsificados.

“O contrabando e a falsificação são sempre usados como argumentos pela indústria do tabaco. O fato é que um produto que está associado à morte de 2 entre cada 3 consumidores, como o cigarro, não pode ter uma embalagem atraente. Não pode ser confundido com uma embalagem de bala ou de bombom”, completa Tânia.

Números. Dados epidemiológicos deixam claro a importância das medidas restritivas, previstas na Convenção-Quadro do Tabaco, um acordo internacional para prevenção do tabagismo do qual o Brasil faz parte. Tânia observa que, entre 1989 e 2008, a queda de fumantes no Brasil foi de 47%. Entre 2008 e 2013, a redução foi de 20%.

“É um resultado muito expressivo em tão pouco tempo. Não é à toa que, a partir de 2008, as regras de controle se tornaram mais rígidas, com aumento dos impostos e proibição do fumo em ambientes fechados.” Tânia acrescenta ainda que uma eventual retirada da mensagem na parte anterior dos maços provocaria uma imagem clara de retrocesso. “Seria uma sinalização perigosa. Se a mensagem é retirada, se autoridades sanitárias estão voltando atrás, pode ficar a falsa impressão de que o produto não é tão nocivo.”

A Anvisa afirmou que não se manifestaria sobre a ação neste momento. A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), em nota, informou que “iniciativas de educação e prevenção são indispensáveis para construção de uma cultura de moderação, já que o problema não é a ingestão de bebida alcoólica, mas sim o consumo em excesso”. O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal não se manifestou até a conclusão desta edição. Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirma que a Anvisa prepara a defesa e a União ainda não foi citada.

estadao.com.br

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