Fábrica clandestina falsificava cigarros do Paraguai no interior
Receita Federal calcula que
movimentação financeira com produção e venda chegaria a R$ 15 milhões por mês
Cachoeira do Sul-RS 11/09/2017
Foi sem querer que a Polícia Civil de
Cachoeira do Sul fechou a que seria uma das principais fábricas clandestinas de
cigarros do Sul do Brasil. Ao investigar um suposto assalto a uma fazenda
ocorrido na madrugada da última sexta-feira no distrito de Piquiri, distante 38
quilômetros do trevo das BRs 290 e 153, os agentes se depararam com uma
complexa operação que falsificava cigarros do Paraguai. Era o crime agindo
sobre outro crime (o inimigo número 1 do setor do tabaco no Brasil): o
contrabando.
Quando
os policiais chegaram, a fábrica pirata estava abandonada. Havia apenas um
carro, uma picape, um trator e um caminhão, todos com pneus furados. A casa e a
estrebaria que funcionavam como alojamento dos empregados estavam totalmente
reviradas. Um galpão que seria usado como depósito do cigarro pronto para o
transporte estava vazio. Ninguém foi preso e o caso foi repassado à Polícia
Federal e à Receita Federal de Santa Cruz do Sul ainda na sexta-feira.
No
sábado, quando a operação veio a público, a PF levou operários de Santa Cruz
para desmontar a estrutura. Foram necessárias três carretas para recolher o
material apreendido, avaliado em R$ 5 milhões pelo delegado regional de
Cachoeira, José Antônio Taschetto Motta. O pavilhão de 300 metros quadrados
abrigava duas linhas de produção de cigarros. As paredes tinham isolamento
acústico e as máquinas eram alimentadas por um gerador de energia, evitando que
o consumo excessivo chamasse atenção da cooperativa de eletrificação que atua
na região.
A fábrica pirata estava repleta de insumos
lacrados, como filtros, rótulos e embalagens de pelo menos quatro marcas do
Paraguai. Havia uma dúzia de caixas com cigarro pronto, à espera apenas do
empacotamento final. Em meio a muita sujeira – produtos químicos eram guardados
junto com o tabaco picado e porcos e cachorros circulavam livremente pelo pátio
–, a Polícia Federal encontrou centenas de documentos que, em uma fábrica
instalada no Paraguai, serviriam para comprovar a legalidade do produto e o
respectivo recolhimento de impostos.
O
certificado, em espanhol, seria do Ministério da Fazenda paraguaio e especifica
o produto como “cigarriilos de produccion nacional”. Só que as marcas que
entram no Brasil pelos caminhos do contrabando eram, na verdade, pirateadas no
interior de Cachoeira do Sul. Os campos reservados ao “nombre del fabricante” e
ao “nombre del producto” estavam em branco.
O
delegado da Receita Federal em Santa Cruz, Leomar Padilha, diz que a fábrica
tinha capacidade para produzir até 100 mil maços de cigarros por dia, o que
resultaria em uma movimentação diária de pelo menos R$ 200 mil. O faturamento
mensal poderia chegar a R$ 15 milhões. Ele calcula que em um mês a produção e a
venda desse cigarro representariam aproximadamente R$ 10 milhões em impostos.
“Os
criminosos utilizavam tabaco nacional, insumos nacionais e mão de obra local.
Só a marca mesmo era de cigarro do Paraguai, totalmente livre de impostos.
Vendido a menos da metade do preço do produto nacional, esse cigarro prejudica
demais o setor fumageiro e a economia regional”, destaca o auditor, lembrando
que no ano passado uma indústria – a Souza Cruz – atribuiu ao contrabando e à
alta carga tributária a decisão de fechar a fábrica de cigarros de
Cachoeirinha.
Criminosos foram alvo de assalto
Partindo
da BR-290, bem próximo ao trevo de acesso a Cachoeira do Sul (BR-153), era
preciso rodar aproximadamente 35 quilômetros na estrada geral e, depois, passar
por outra fazenda para chegar à fábrica clandestina. A sede da propriedade
vizinha fica no caminho e, na madrugada de sexta-feira, foi atacada por homens
armados que usavam camisetas da polícia. O proprietário – cujo nome é mantido
em sigilo –, a família dele e os empregados foram mantidos sob a mira de
pistolas por cinco horas. Na fuga, os assaltantes roubaram uma arma.
O
delegado Mauro Lima Silveira, chefe da Polícia Federal de Santa Cruz, suspeita
que enquanto a família era feita refém, outra parte da quadrilha roubava o
estoque da fábrica clandestina localizada a cerca de dois quilômetros da sede
da fazenda vizinha. “Depois que os ladrões foram embora a vítima chamou a
Polícia Civil de Cachoeira. Ao longo do dia os policiais foram até lá e, quando
chegaram à propriedade vizinha, onde funcionava a fábrica, encontraram uma
quantidade insignificante de cigarro pronto e embalado. O fato de a estrutura
estar abandonada reforça a suspeita de que ironicamente os falsificadores foram
roubados”, resume o policial, que não descarta a ação de um grupo rival.
A
suspeita do delegado ganha força porque moradores da localidade teriam visto,
no amanhecer de sexta-feira, dois ou três caminhões-baú sendo escoltados na
estrada geral, em direção à BR-290. O trânsito de caminhões é acentuado naquela
região, onde predomina a produção de madeira, mas aquela movimentação chamou a
atenção. “É bem provável que o ataque à fazenda vizinha foi só para evitar que
os moradores chamassem a polícia durante o roubo à fábrica”, completa o
delegado.
Para entender o caso
Há quanto tempo a fábrica pirata funcionava no Piquiri?
Não se sabe ao certo. O prédio onde as máquinas estavam era aparentemente novo,
bem como a instalação elétrica. O piso estava em perfeitas condições, o que faz
os policiais suspeitarem que a operação tinha menos de um ano. O dono das
terras, cuja identidade é preservada pela PF, diz que arrendava o local e vai
auxiliar nas investigações. Ele não tem envolvimento com o crime.
Quantas pessoas trabalhavam na fábrica?
A Polícia Federal identificou dois alojamentos: em uma casa e em uma
estrebaria. Um terceiro imóvel em frente à fábrica funcionava como depósito de
cigarro pronto. Pela quantidade de colchões e pelo estoque de comida que havia
no local, suspeita-se que em torno de 20 pessoas permaneciam na fazenda. É
possível que a produção acontecesse 24 horas por dia.
É a primeira vez que uma fábrica clandestina é fechada na região?
Não. Em setembro de 2012 a Polícia Federal fechou uma fábrica pirata que
funcionava no interior de Candelária. Em novembro de 2015 a Operação Huno, da
PF, identificou fábricas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro que
falsificavam cigarro do Paraguai, inaugurando algo que hoje já parece rotina.
De onde vem o tabaco usado nessas fábricas?
São pelo menos três fontes: 1) roubo de carga durante o transporte entre a
propriedade rural e a indústria; 2) os atravessadores que percorrem o interior
comprando tabaco a preços geralmente mais atraentes que os da indústria; 3)
empresas de pequeno porte (formais ou não) que fornecem matéria-prima tanto
para as fábricas clandestinas quanto para as paraguaias. O esquema descoberto
pela Operação Huno, em 2015, era bilionário.
E o que
acontece a partir de agora?
A Polícia Civil de Cachoeira vai investigar o assalto à fazenda vizinha. Já a
Polícia Federal e a Receita Federal tentarão chegar aos responsáveis pela
fábrica. “Tenho muita convicção de que temos como e vamos chegar a esses
criminosos”, afirma o delegado Mauro Lima Silveira, da PF. Segundo ele,
documentos encontrados no local ajudarão nas investigações, embora o escritório
da quadrilha não funcionasse junto à fábrica. O policial não descarta que a
estrutura pertença a criminosos paraguaios, que para reduzir custos e riscos
acabam falsificando no Brasil o mesmo cigarro que fabricam e contrabandeiam no
país vizinho.
gaz.com.br